A Escola da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (EDEPES) realizou o Seminário “Justiça de Qualidade para Mulheres”, na última quinta-feira (27). O evento aconteceu no auditório Araceli Cabrera Crespo, no núcleo de Vila Velha, e foi idealizado pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da DPES (NUDEDH).
Para Defensora Pública Gabriela Larrosa, integrante do NUDEDH, o seminário teve o objetivo de conscientizar a própria Defensoria Pública quanto à importância da prestação de assistência jurídica voltada para as mulheres, bem como trazer ao debate os direitos das mulheres Defensoras Públicas na própria instituição. “É um seminário sobre direito das mulheres, seja daquelas que procuram o serviço da Defensoria, seja das próprias Defensoras Públicas que necessitam discutir seus direitos institucionais”, afirmou Gabriela.
Abertura
Na mesa de abertura, Vivian Almeida, Coordenadora do NUDEDH, apresentou os caminhos percorridos pela instituição na defesa da mulher e destacou a importância do diálogo com a Sociedade Civil para a construção da atuação defensiva e para obtenção de resultados satisfatórios. “Hoje, a defesa da mulher é o nosso maior desafio. Estamos buscando um olhar mais especifico e direcionado para a defesa da mulher. O intuito desse seminário não é apenas demarcar comprometimento da instituição com a temática, mas dialogar e buscar avanços para que possamos cada vez mais devolver esse serviço a quem precisa”, relatou.
Rosana Leite Antunes de Barros, Defensora Pública do Mato Grosso e Coordenadora da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher do Condege (Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais), cumprimentou a Defensora Pública Geral do Espírito Santo, Dra. Sandra Mara Vianna Fraga, presente na mesa, e ressaltou a importância de criação e implementação do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem), pela Defensoria Pública do Espírito Santo.
Emilly Marques Tenório, assistente social e integrante do Fórum de Mulheres do Espírito Santo, frisou a importância dos movimentos sociais para a conquista de direitos e para a atuação da Defensoria Pública. “Considero muito importante a Defensoria ter o movimento feminista para dialogar sobre justiça de qualidade para mulheres”, comentou a assistente social.
O Seminário teve, em sua palestra inaugural, a Dra. Leila de Andrade Linhares Basted, coordenadora executiva da organizaçãoCidadania Estudos Pesquisa Informação e Ação (Cepia) e uma das idealizadoras da Lei Maria da Penha. Leila debateu sobre a Recomendação Geral nº 33, do Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW).
Dentre os pontos mais importantes da recomendação, que dispõe sobre acesso das mulheres à justiça, Dra. Leila destacou a importância de uma instituição que lute pelos direitos das mulheres. “A Defensoria Pública cumpre uma importante função no acesso de mulheres à justiça em todos os casos de violência de gênero”, enfatizou.
Leila falou também do histórico dos movimentos sociais e feministas no Brasil para a conquista de direitos políticos e sociais. Mas, apesar das conquistas, Leila salienta que a justiça muitas vezes ainda é excludente, principalmente com mulheres, considerando os diversos graus de vulnerabilidades que as atingem, além de o Poder Judiciário ser formado majoritariamente por homens.
Os desafios da construção de uma política institucional garantidora dos direitos das mulheres
A Defensora Pública Flávia Nascimento, coordenadora do NUDEM da Defensoria do Rio de Janeiro, falou sobre as experiências na institucionalização da política de defesa da mulher assistida.
Ela ressaltou a atuação do NUDEM do RJ ao longo dos anos na defesa das mulheres. “O núcleo ampliou a atuação em defesa da mulher para além da violência de gênero, incluindo também a violência obstétrica, institucional, virtual e psicológica”, afirmou.
A Defensora Pública do ES, Maria Gabriela Agapito, palestrou sobre o enfrentamento à violência de gênero na instituição e o fortalecimento da mulher Defensora. A Defensora Pública exemplificou os diversos tipos de violência de gênero presentes na sociedade e que também se fazem presentes dentro do ambiente institucional.
Destacou, ainda, a importância da presença de mulheres participando das instâncias decisórias da Defensoria Pública para a institucionalização e regulamentação dos direitos da mulher Defensora. “A Defensoria, por defender e lutar pelos direitos humanos, deve também respeitar os direitos da mulher Defensora”, relatou.
Merilaine Pires Coelho, ouvidora externa da Defensoria Pública do Ceará, falou sobre a papel da ouvidoria externa em defesa da mulher. A palestrante falou da ouvidoria externa como uma ferramenta de diálogo entre a Defensoria e assistidos (os).
Outro ponto discutido por Merilaine foi a necessidade de mais mulheres Defensoras atuarem nos Nudem´s de todo o país. “Muitas mulheres ao serem atendidas por Defensores Públicos homens encontram na figura que desempenha a função suas defesas também o seu adversário simbólico, o que muitas vezes pode dificultar a adequada prestação da assistência jurídica da mulher em situação de violência”, explicou a ouvidora.
Desafios para a realização da defesa jurídica de qualidade diante de estruturas machistas e misóginas
Mariana Andrade Sobral, Defensora do Núcleo Especializado de Defesa Agraria e Moradia (Nudam) da DPES, debateu sobre a contaminação do Rio Doce pelo rompimento da barragem da Samarco e a garantia de direitos das mulheres atingidas.
Ela destacou a atuação das Defensorias do ES, Minas Gerais e da União na defesa das atingidas e atingidos pelo desastre, lançando luz aos desafios que as mulheres têm enfrentado para o reconhecimento como atingidas pelo rompimento da barragem e para o recebimento das indenizações.
“As mulheres atingidas não são reconhecidas como trabalhadoras, sendo sempre colocadas como dependentes do marido. Elas são excluídas do processo de indenização sendo chamadas apenas para assinar os documentos e legitimar a fala do marido, que é quem recebe o dinheiro”, mencionou.
Micheline Mattedi Tomazi Almeida, professora doutora da Universidade Federal do Espírito Santo, falou sobre as sentenças jurídicas e as perspectivas de gênero. Ela questionou sobre o machismo da língua portuguesa e como ele reflete, não apenas na gramática, mas em todas as questões de gênero, incluindo a violência doméstica.
Em seguida, ressaltou o poder do discurso misógino na violência doméstica e sobre como esse discurso influencia também nas sentenças dadas aos homens. “Nos casos de violência doméstica, o discurso machista é usado frequentemente nas sentenças judiciais para a absolvição ou redução de pena daquele que pratica a agressão. Isso acontece também na mídia, onde o discurso é usado para culpabilizar a mulher e inocentar o homem”, acrescentou Dra. Micheline.
Lia Maria Manso Siqueira, advogada e Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Juiz de Fora, debateu sobre as estruturas racistas presentes na sociedade e na justiça brasileira.
Sobre a questão carcerária, a advogada argumentou que o fenômeno de encarceramento em massa no Brasil cada vez mais atinge mulheres, principalmente as negras e pardas e em situação de vulnerabilidade de social. Para finalizar, Lia Maria acrescentou sobre a necessidade de uma política de desencarceramento e deixou ao público uma reflexão. “Qual é o risco que uma mulher negra oferece a sociedade? Qual a necessidade mantê-la presa?”, concluiu.
Para encerrar as mesas, a Defensora Pública Vivian Almeida elogiou a fala das palestrantes e agradeceu pela participação no evento. No final do evento, houve ainda uma apresentação artística da artista Danielen Brandão do grupo de teatro Flores Nômades.
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Por Nina Wyatt e Raquel de Pinho