Proibir doação de sangue de homens que fazem sexo com homens é preconceito

Estima-se que cerca de 19 milhões de litros de sangue deixam de ser doados todo ano por causa de proibição da Anvisa.

A resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que proíbe a doação de sangue por homens que tenham mantido relações sexuais com outros homens, nos doze meses anteriores à doação, é fruto de preconceito e viola os direitos humanos. É o que se debateu em uma roda de conversa, realizada na noite da última quinta-feira, 17, e que reuniu estudantes e especialistas em Direito e Saúde em uma faculdade de Direito de Vitória. O tema é polêmico e ainda precisa ser muito discutido.

Representando a Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), o Defensor Público Douglas Admiral Louzada, que atua no Núcleo de Direitos Humanos, destacou uma recomendação das Defensorias Públicas da União (DPU) e da Bahia (DPEBA) ao Ministério da Saúde (MS). No documento, é solicitada a retirada da restrição da Portaria n° 158 de 2016 do Ministério da Saúde (MS) pelo fato de ser discriminatória, segundo Louzada. “Há alguma conduta praticada exclusivamente por homens que fazem sexo com outros homens que justifica essa previsão normativa?”, questionou o Defensor Público.

“Além disso, a Procuradoria Geral da República se mostra favorável a uma ação direta de inconstitucionalidade que tramita no STF, na qual se questiona o tratamento discriminatório promovido pela vedação de doação, que se baseia apenas na orientação sexual. A previsão normativa é construída em cima de um grupo de risco e não de um comportamento de risco, o que desrespeita o próprio princípio da proporcionalidade. Qual a justificativa para que um homem gay, que tenha um relacionamento monogâmico estável, não possa doar sangue?”, argumentou. Segundo ele, esse tratamento discriminatório viola a dignidade da pessoa humana e o direito fundamental da igualdade.

Entrevistas

A garantia da qualidade das entrevistas pela qual passam os doadores voluntários foi também outro importante questionamento levantado por Vitor Burgo, professor e representante do Núcleo de Estudos em Gênero e Sexualidade da FDV (NEGS). Isso porque além da análise clínica laboratorial do sangue do doador, suas declarações verbais sobre estilo de vida, riscos e doenças também são coletadas nessas entrevistas, porém, as perguntas diferem quando direcionadas aos homossexuais.

“Aos heterossexuais não é questionado se praticaram sexo nos doze meses anteriores à doação e nada garante a saúde do parceiro ou parceira do doador, a não ser aquilo que ele mesmo declara. Outro fator considerado de risco pela Anvisa é o sexo anal, também praticado por heterossexuais e muitas vezes sem proteção, já que esse tipo de sexo não engravida. Pelo que vimos isso também não é questionado ao doador. Do ponto de vista do Direito e da Saúde, isso não seria desproporcional? Como garantir a qualidade?  Não seria preconceito?”, argumentou o professor.

Hemoes

O Doutor Jackson Reis, do Hemocentro do Estado do Espírito Santo (Hemoes), também presente no evento, confirmou o modelo de questionário e afirmou que o mesmo segue critérios estabelecidos pela Anvisa. Ele ressaltou que embora os testes laboratoriais não garantam cem por cento a qualidade do sangue, houve evolução nos últimos anos e mesmo os testes rápidos conseguem diagnosticar os riscos com menor janela imunológica.

Para o médico hematologista Thales Gouveia Limeira, “a melhor transfusão é a não feita”. “Em relação a doação de sangue, é preciso garantir a segurança tanto do doador quanto do receptor, mas quem recebe é o principal a ser protegido. Sua saúde precisa ser resguardada. Com a melhora da qualidade das transfusões de sangue depois do advento do HIV, melhorou também a segurança”, afirmou.

Para o estudante Mateus Cunha Salomão, aluno do terceiro período da graduação em Direito da FDV e integrante do grupo PET (Programa de Educação Tutorial), o período de doze meses exigido pela resolução é uma “clara demonstração de preconceito”. “Se existem testes rápidos que já diagnosticam doenças a partir de trinta dias, não justifica exigir dos homens que transam com homens um período de doze meses”, provocou.

A 34ª Roda de Conversa Direito e Atualidades: debates na academia é um projeto da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Também participaram do evento Toinho Lopes, professor e militante de Direitos Humanos da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), e Arthur Emanuel Leal Abreu, mestrando em Direitos e Garantias Fundamentais (FDV) e advogado.

Por Wesley Ribeiro