Defensoria apresenta ao Ministério da Justiça relatório sobre hiperencarceramento no Espírito Santo

Após a visita do Conselho Nacional de Política Criminal e do Departamento Penitenciário Nacional ao Estado, órgãos vinculados ao Ministério da Justiça que em conjunto com a Defensoria Pública realizaram inspeções nas Unidades Prisionais, a Defensoria capixaba encaminhou um documento apontando uma crescente preocupação relacionada ao encarceramento em unidades do Espírito Santo.

Trata-se da posição judicial que tem prevalecido nas Varas de Execução Penal do Estado quanto à fixação da data-base.

Entenda o caso

A Defensoria Pública atua, através do Núcleo de Execução Penal (NEPE), junto a maioria dos processos de execução penal que acompanham o cumprimento de pena no Espírito Santo, especialmente na Grande Vitória.

Durante o cumprimento da pena, a pessoa possui a expectativa do reconhecimento do direito de progressão de regime, cujo requisito objetivo é calculado de acordo com a quantidade de pena aplicada, obedecendo à legislação. Com a progressão de regime, paulatinamente, o indivíduo é reintroduzido na sociedade.

Até alguns anos atrás, o cálculo iniciava-se a partir do dia em que a pessoa foi presa, ou da data da última falta grave cometida. Tal posicionamento era considerado o mais justo, já que, independentemente do tipo de prisão – seja provisória ou definitiva –, a pessoa encontra-se com a liberdade tolhida e tem a expectativa de que apenas o seu comportamento pode postergar a data prevista para a progressão de regime.

Contudo, uma recente mudança no posicionamento das Varas de Execução Penal da Grande Vitória passou a aplicar o entendimento de que esse cálculo deve ser iniciado somente a partir do trânsito em julgado das sentenças condenatórias.

Com essa mudança, a maioria absoluta dos presos que tiveram penas unificadas também sofreram com o adiamento dos seus direitos de progressão de regime, sem que tenham dado nenhum motivo para tanto.

“O efeito é absurdo. O trânsito em julgado não depende do réu. Os Tribunais, atolados de processos, demoram cada vez mais para julgar em definitivo uma ação. E, por consequência, o preso tem seu direito postergado. A única situação que isso acontece em execução, fora esse entendimento, é quando ele comete alguma falta disciplinar grave, como praticar novo crime ou usar celular em presídio. Não podemos admitir que o trânsito em julgado gere, para o preso, as mesmas consequências que essas condutas indisciplinares” explica a coordenadora do Núcleo de Execução Penal da DPES, defensora pública Roberta Ferraz.

Exemplificando: uma pessoa que tenha sido presa em janeiro de 2010, com pena fixada em 10 anos por delitos hediondos (unificadas), de acordo com o entendimento anterior, somente progrediria do regime fechado para o semiaberto em janeiro 2014, e retornaria à sociedade em meados de 2017, aproximadamente, quando da progressão para o regime aberto. Contudo, se no mesmo exemplo a pessoa ou o Ministério Público recorrer e o trânsito em julgado somente ocorrer em 2014, a progressão ao regime semiaberto só será alcançada em meados de 2017 e ao regime aberto em meados de 2018.

Preocupados com a situação e com os inúmeros casos em que a alteração da data-base afetou a expectativa de direitos no ordenamento jurídico capixaba, o Núcleo de Execução Penal estabeleceu como prioridade, entre as estratégias de atuação, a alteração desse entendimento.

Como uma das medidas, apresentou ao CNPCP e ao DEPEN a problemática através de documento formal, esclarecendo os diversos desdobramentos da política judicial quanto à data-base no sistema prisional.

A principal consequência dessa posição, conforme consta no documento, é que essa pode ser uma das principais razões para o aumento do encarceramento no estado e do deficit de vagas no sistema prisional.

“A alteração da data-base implica diretamente na manutenção das pessoas encarceradas por um período superior ao que o sistema comporta, e ao mesmo tempo que a saída de pessoas é postergada, a entrada não diminui. O resultado gera a preocupação com um colapso iminente”, afirma Roberta.

O documento destaca, entre outros, que a curva ascendente do aprisionamento persiste, tendo em vista que atualmente o Estado mantém aproximadamente 19.773 pessoas encarceradas, segundo o Infopen-ES. Tal quantitativo representa um aumento de mais de 21% no número de pessoas presas nos últimos dois anos no estado do Espírito Santo.

No tocante à taxa de encarceramento, considerou-se os mais recentes censos prisionais em que o Espírito Santo apresentou um assustador índice de cerca de 428 pessoas presas a cada 100 mil habitantes, o que representa um número muito superior à já alarmante média nacional (306 em dezembro de 2014).

O relatório destaca ainda o histórico do Estado do Espírito Santo quanto à questão prisional, além de diversos argumentos jurídicos que demonstram a necessidade de alteração da posição dos Tribunais sobre a matéria.

Risco de inefetividade

A posição jurídica, que foi objeto da preocupação partilhada pelo Núcleo junto ao CNPCP, vai de encontro às políticas prisionais mais recentes adotadas no país e no Estado. O Espírito Santo foi um dos primeiros que implementou as Audiências de Custódia para reduzir o fluxo de entrada no sistema prisional, e é a unidade federativa que vem efetivando o projeto-piloto “Cidadania nos Presídios” que objetiva aumentar os índices exitosos de saída e reduzir o retorno do apenado pela reincidência. Contudo, a questão da data-base pode colocar boa parte desses esforços a perder, tornando inefetivas as medidas.

Além da comunicação aos órgãos, o NEPE tem buscado levar a matéria à revisão dos Tribunais Superiores e articulado uma atuação em conjunta com outras Defensorias Públicas, visto que o tema é recorrente em diversos Estados.

“Em mais de uma oportunidade foram noticiadas rebeliões e motins pelo Brasil afora, em que os presos reivindicavam, entre outras pautas, a alteração da data-base. Não queremos que esse problema afete os projetos de redução de danos do encarceramento que tem sido implementados no Estado, com muito esforço. A situação é preocupante”, conclui a coordenadora do NEPE, Roberta Ferraz.

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