A construção do modelo de saúde trata a população trans como doente, revela a mulher trans Natália Becher. “Somos considerados doentes mentais, portadores do “transexualismo”. Por essa e outras questões relacionadas a preconceito e discriminação que é imprescindível se discutir o tema da transexualidade.
Na última sexta-feira, em comemoração ao Dia da Visibilidade Trans (29/01), a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPES) promoveu o CineDefensoria. A primeira edição do ano contou com o filme Somos: um webdoc sobre identidade de gênero. O longa aborda a história de sete pessoas trans, de diferentes idades e estilos de vida. Logo após a exibição, como acontece em todas as edições do CineDefensoria, houve debate sobre o tema.
De acordo com o Defensor Público Douglas Admiral Louzada, organizador do evento juntamente com a Coordenadora de Direitos Humanos da DPES, Vivian Almeida, encontros de disseminação de conhecimento são essenciais para a temática.
“Muitas pessoas trans sofrem pela falta de informação de direitos e essa questão é um dos maiores dificultadores. Por isso, cada um de nós precisa ser multiplicador de informação.”, explicou o Defensor durante debate.
De acordo com Douglas, o desconhecimento também é dos profissionais que lidam com o público. No SUS, por exemplo, existe regulamentação que exige o uso do nome social desde 2009, mas ainda acontece de a pessoa transexual ou travesti ser chamada pelo nome de registro.
Da esquerda para a direita, os debatedores: Natália Becher, Kadu, Vânia Telles e Douglas Admiral Louzada
Para Natália Becher, outra forma de combater o preconceito é estar atento a situações do dia a dia. “O problema começa quando se faz a pequena piadinha que vai se tornando naturalizada”, conta. Segundo ela, o que soa como “brincadeira” ajuda a alimentar a discriminação e desumaniza as pessoas do grupo alvo. “Toda vez que verificamos uma piada preconceituosa temos que alertar as pessoas que a fazem para que elas possam refletir sobre isso”.
O fato da transexualidade ser tradada como doença, o que ajuda a manter o estigma sobre a população trans, tem sido combatido por áreas da ciência da saúde. Segundo Natália, a iniciativa contra a despatologização está sendo puxada majoritariamente pela psicologia, mas a medicina e outras áreas também estão nessa busca.
“Da mesma forma como a homossexualidade já foi considerada doença mental durante muitos anos, um desvio ou perversão, acredito que brevemente a transexualidade também não será mais considerada doença”, prevê Natália.
Para a psicóloga Vânia Telles, a gente nasce macho e fêmea, entre outras denominações existentes no mundo humano e animal. “O resto é construído. Feminino e masculino são construções de uma subjetividade – acontece no diálogo com o mundo interior e exterior e desde o útero materno.” Por conta disso, segundo ela, as pessoas são diferentes umas das outras.
Como exemplo, Vânia cita o caso do homem trans Kaito, personagem do webdoc Somos. Ele é gêmeo univitelino de Suzanne e se reconhece como homem, diferentemente da irmã.
A psicóloga é mãe de um adolescente trans, que começou sua transição há cerca de um ano. “Eu já ouvi muito: como você aceitou isso? Eu falo, eu tinha que aceitar uma condição? Eu tive meu filho, nasceu de mim. Não aceito que seja malcriado, maltrate as pessoas, seja mal caráter, porque não estou criando dessa maneira.”, desabafou.
Maiores demandas das pessoas trans
De acordo com Natália Becher, na busca por direitos, as primeiras demandas da população trans são nome social, acesso ao banheiro social e empregabilidade. Na DPES, as maiores demandas são de retificação.
“A Defensoria é extremamente importante não só pela questão da retificação de nome. A gente passa por muitas barreiras ao longo de nossa vida. É muito importante para nós as parcerias. Sozinhos a gente não consegue ir pra frente. Precisamos muito de informação correta e completa”, conta Kadu, homem trans estudante de ciências biológicas, que compôs a mesa debatedora.
Fique ligado!
– Pessoas transgêneras ou transexuais: aquelas que se identificam com um gênero diferente daquele que lhe foi dado no nascimento.
– Homens trans, homem transexual ou transexual masculino: pessoa que nasceu com a genitália feminina, mas que se identifica com o gênero masculino e assim se apresenta a sociedade;
– Mulher trans, mulher transexual ou transexual feminina: pessoa que nasceu com a genitália masculina, mas que se identifica com o gênero feminino e assim se apresenta a sociedade.
Por Leandro Neves